Messier 5: Uma Joia Cósmica no Coração da Serpente

Copyright – João Clérigo- 2024-07-23 – Integração de 440 segundos.

Imagine-se numa noite escura, longe das luzes da cidade, com os olhos postos num céu repleto de estrelas. Entre as constelações que dançam silenciosamente sobre as nossas cabeças, existe um tesouro escondido, uma relíquia dos primórdios do nosso universo. Este tesouro chama-se Messier 5, um aglomerado globular que nos conta uma história tão antiga quanto o próprio cosmos.

A Sua Descoberta: Um Encontro com o Passado

Numa época em que a eletricidade ainda não iluminava as nossas noites e os telescópios eram rudimentares em comparação com os nossos padrões modernos, um astrónomo alemão chamado Gottfried Kirch fez uma descoberta que ecoaria através dos séculos. Corria o ano de 1702 quando Kirch, observando os céus com um pequeno telescópio, avistou pela primeira vez este enigmático objeto celeste.

No entanto, a verdadeira natureza de Messier 5 permaneceu um mistério por mais sete décadas. Foi apenas em 1764 que o famoso caçador de cometas Charles Messier redescobriu o objeto, catalogando-o como o quinto elemento na sua famosa lista de “não cometas” – objetos nebulosos que poderiam ser confundidos com cometas, mas que eram na realidade entidades celestes muito mais fascinantes e duradouras.

Tipo:Enxame Globular
Constelação:Serpente
NGC / IC:NGC 5904
Magnitude:6,65
Idade:13 mil milhões de anos
Vizualização Mínimabinóculos
Tamanho Angular:23′
Raio (anos-luz):80 AL
Distância (anos-luz)24,500 AL
A.R.:15h 18,6m
Dec.:-2º 5′
Temporada:meio do verão
Localização na Via Láctea:Centro Galático
Grupo Galático:Grupo Local
Maratona Messier:#68
Contêm:100,000+ estrelas

Visibilidade: Um Guia para Explorar o Cosmos

Messier 5 reside na constelação da Serpente, mais precisamente na sua cabeça (Serpens Caput). Para os observadores do céu no hemisfério norte, o melhor período para observar este magnífico aglomerado é durante os meses de primavera e verão.

Enxame Globular Messier 5 na constelação da Serpete. Gráficos criados com o SkySafari 6 Pro e o STScI Digitized Sky Survey. Magnitudes limite: gráfico de constelação ~6,5 mag, grandes planos DSS2 ~20 mag.

Para localizar Messier 5 a olho nu, comece por identificar a constelação da Serpente. Procure a estrela brilhante Arcturus na constelação do Boieiro e, a partir daí, mova o seu olhar cerca de 15 graus para sudeste. Numa noite escura e sem lua, Messier 5 pode ser visto como uma pequena mancha nebulosa.

Contudo, para verdadeiramente apreciar a beleza deste aglomerado globular, é necessário um equipamento mais potente:

  1. Com binóculos (7×50 ou maiores), M5 aparecerá como uma pequena mancha difusa e circular.
  2. Um telescópio amador de 100mm já revelará algumas das estrelas mais brilhantes na periferia do aglomerado.
  3. Telescópios de 200mm ou mais começarão a resolver o aglomerado em milhares de estrelas individuais, oferecendo uma visão verdadeiramente espetacular.

Características Notáveis: Um Universo em Miniatura

Messier 5 é um dos aglomerados globulares mais antigos e maiores conhecidos na nossa galáxia. Com uma idade estimada de 13 mil milhões de anos, este aglomerado é quase tão velho quanto o próprio universo!

Com um diâmetro de cerca de 165 anos-luz, M5 contém aproximadamente meio milhão de estrelas, todas orbitando um centro gravitacional comum. A densidade estelar no núcleo de M5 é inimaginável: se vivêssemos lá, veríamos milhares de estrelas brilhantes no céu, mesmo durante o dia (necessitaríamos com certeza de um protetor solar grau 1.000)!

Uma das características mais notáveis de M5 é a sua população de estrelas variáveis. Foram identificadas mais de 100 estrelas variáveis neste aglomerado, incluindo 97 do tipo RR Lyrae, que são usadas como “velas padrão” para medir distâncias no universo.

Estrelas e Outros Objetos Notáveis: Jóias no Cofre Cósmico

Messier 5 é um tesouro de objetos celestes fascinantes, cada um contando uma história única sobre a evolução estelar e a dinâmica dos aglomerados globulares.

Estrelas Variáveis: M5 é particularmente rico em estrelas variáveis. Foram identificadas mais de 105 estrelas variáveis neste aglomerado, incluindo:

Estrela mais brilhante: A estrela mais luminosa de M5 é uma gigante vermelha com uma magnitude aparente de +12,2. Esta estrela é aproximadamente 630 vezes mais brilhante que o nosso Sol.

Estrela de Carbono: Em 1997, foi descoberta uma rara estrela de carbono em M5. Esta descoberta é notável porque as estrelas de carbono são geralmente associadas a populações estelares mais jovens e não são comummente encontradas em aglomerados globulares antigos.

Blue Stragglers: M5 contém várias “blue stragglers“, estrelas que parecem ser mais jovens e mais azuis do que seria esperado, considerando a idade do aglomerado. Acredita-se que estas estrelas sejam o resultado de fusões estelares ou transferências de massa em sistemas binários.

Binárias de Raios-X: Foram detetadas várias fontes de raios-X em M5, incluindo binárias de raios-X de baixa massa (LMXBs) e variáveis cataclísmicas. Estas observações fornecem informações valiosas sobre a evolução de sistemas binários em ambientes densos.

Pulsares: M5 abriga um pulsar conhecido, PSR J1518+0204C. Este pulsar milissegundo faz parte de um sistema binário e fornece informações importantes sobre a dinâmica do aglomerado.

Objetos próximos notáveis:

  1. NGC 5846: A cerca de 40 minutos de arco a sudeste de M5, encontra-se NGC 5846, uma galáxia elíptica gigante. Esta galáxia é o membro dominante de um grupo de galáxias e está a aproximadamente 91 milhões de anos-luz de distância.
  2. NGC 5850: Aproximadamente a 1 grau a sudoeste de M5, encontra-se NGC 5850, uma galáxia espiral barrada. Esta galáxia interage gravitacionalmente com NGC 5846, criando estruturas interessantes nos seus braços espirais.
  3. Quasar SDSS J151636.79+000447.4: Este quasar distante está localizado a apenas 13,6 minutos de arco de M5. Com um redshift de z=3.7, este objeto permite observar o universo como era há mais de 12 mil milhões de anos, criando um contraste fascinante com o “próximo” M5.

Factos Curiosos: Enigmas do Cosmos

Viagem Interestelar: Se pudéssemos viajar até M5 à velocidade da luz, a jornada demoraria cerca de 24.500 anos! Esta distância impressionante, de aproximadamente 24.500 anos-luz, foi determinada mediante métodos avançados de medição, incluindo o uso de estrelas variáveis RR Lyrae.

Uma Composição Química Intrigante: Apesar da sua idade avançada, estimada em cerca de 13 mil milhões de anos, M5 ainda contém uma quantidade surpreendente de elementos pesados. Esta “metalicidade” relativamente alta para um aglomerado tão antigo sugere uma história complexa, envolvendo possivelmente a captura de material de galáxias anãs no passado distante ou múltiplos episódios de formação estelar.

Movimento Próprio: M5 está a mover-se em direção à Terra a uma velocidade de aproximadamente 52 km/s. No entanto, fique descansado, não há perigo de colisão devido à vasta distância que nos separa. Este movimento, conhecido como velocidade radial, fornece pistas importantes sobre a dinâmica da nossa galáxia.

População de Buracos Negros: Surpreendentemente, M5 contém apenas uma pequena fração dos buracos negros que os cientistas esperariam encontrar, considerando a sua massa e idade. Esta escassez de buracos negros é um enigma que ainda intriga os astrónomos e pode fornecer pistas sobre a evolução dinâmica dos aglomerados globulares.

Idade Controversa: Embora geralmente se acredite que M5 tenha cerca de 13 mil milhões de anos, alguns estudos sugerem que pode ser ainda mais antigo, possivelmente um dos aglomerados globulares mais antigos conhecidos na Via Láctea. Esta idade avançada coloca M5 entre os objetos mais antigos do universo observável.

Como era o Mundo e Portugal na Época da Descoberta

Quando Gottfried Kirch descobriu M5 em 1702, o mundo estava no auge do que chamamos hoje de Era dos Descobrimentos. Portugal, que tinha sido pioneiro nesta era, estava agora a colher os frutos das suas explorações globais.

Em Portugal, D. Pedro II reinava como Rei absoluto. O país recuperava da Guerra da Restauração, que tinha garantido a sua independência da Espanha algumas décadas antes. A economia portuguesa beneficiava do ouro e dos diamantes recém-descobertos no Brasil, alimentando um período de prosperidade e extravagância arquitetónica, exemplificado pela construção do Convento de Mafra, iniciada em 1717.

No resto da Europa, a Guerra da Sucessão Espanhola estava prestes a começar, redefinindo o equilíbrio de poder no continente. Na ciência, Isaac Newton tinha publicado os seus “Principia Mathematica” apenas 15 anos antes, revolucionando a nossa compreensão do universo.

Enquanto isso, no outro lado do Atlântico, as colónias americanas cresciam rapidamente, mas a independência dos Estados Unidos ainda estava a mais de sete décadas de distância.

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